por @RubensGualdieri
Miguel nasceu grande, seus 4 quilos e mais um pouco deram trabalho aos médicos e, claro, à mãe, que fazia questão de parto normal. Hoje, chamado parto humanizado, é uma procura de dar graça à arte de fazer sair uma melancia, por onde só passa um limão.
E Miguel anunciou firme e forte que chegara. No primeiro tapa abriu os pulmões em alto e bom som, talvez querendo dizer que aquilo não tinha sido nada legal, mas bem que também poderia ser um alerta de quem estava entendendo que a partir dali, os tapas seriam algo normal nessa vida.
Conjecturas e achismos à parte, ali estava Miguel, nome de anjo guerreiro, escolha orgulhosa de seu pai, que já anunciou – “filho meu é homem e homem não chora”. Gente simples curtida pelo tempo, o pai do Miguel já tinha visto um bom tanto de coisas que, ao que parecia, haviam-lhe secado as lágrimas.
E Miguel cresceu, espichou e não chorou. Teve uma primeira briga na escola que uns bons socos foram trocados. O coleguinha de Miguel parece que tinha levado a melhor, embora fosse pra casa com um dente faltando. Mas Miguel não estava nada apresentável quando chegou em casa: um olho roxo e uma perna mancando. Seu pai apenas olhou e viu que o Miguel estava firme e forte – e roxo – mas, sem nenhuma lágrima e isso, encheu aquele velho de orgulho.
E mais anos passaram, mais brigas vieram e nenhuma lágrima caiu. Ao que parece o pai de Miguel tinha acertado, pois ali estava um anjo guerreiro, bravo, macho e sem chorar, nem no enterro do avô, que, embora Miguel tivesse bastante contato, não fora suficiente para que uma lágrima caísse.
E assim os anos seguiram, a escola ficou pra trás e veio a faculdade. Alguns namoricos aconteceram, alguns deslizes foram escondidos e então o inevitável aconteceu: Miguel se apaixonara. A menina nem era lá aquelas coisas – diziam todos os amigos de Miguel – mas ele estava feliz ao lado dela e era isso que interessava. Os amigos viam apenas o porte físico da moça, enquanto Miguel via o bem que ela lhe fazia.

Um mês passou, a saudade era imensa e os telefonemas eram constantes. Mas, tudo isso era para um futuro melhor. O segundo mês veio bem mais rápido e o terceiro e derradeiro mês parece que se arrastou. Em um dos telefonemas, Miguel conversava com sua namorada sobre o casamento. Ele perguntava muito sobre tudo, afinal, ele queria saber o que acontecera, pois o noivo não seria ele. É… naquela manhã de domingo, Miguel recebera a notícia de que sua namorada iria se casar. Ah, estava grávida e então, por conta de pudores da família, o casamento iria sair rápido. E Miguel estava sendo comunicado desse novo desvio de rota. E a primeira lágrima caiu. Miguel foi pra casa e lá chorou por 5 dias seguidos. E quanto mais vinha a lembrança do seu pai dizendo que homem não chora, mais Miguel chorava.
Após 5 dias Miguel percebeu que algo havia mudado.Via as coisas de maneira diferente, sentia o que as outras pessoas estavam sentindo. Se elas estavam alegres, Miguel também se alegrava, se elas estivessem com problemas, então Miguel também sentia as mesmas dores.
E os dias foram passando e Miguel chorou outras vezes. Quando ganhou um prêmio importante para sua carreira, foi a segunda vez que chorava. E quanto mais chorava, mais Miguel sentia que crescia como pessoa, era como se cada lágrima desafogasse milhões de mágoas do passado e lavasse e levasse tudo de ruim que habitava seu coração.
E os dias foram passando. Miguel conheceu outra pessoa! Ficaram juntos, namoraram , brigaram, separaram, voltaram e casaram. E choraram juntos, choraram quando disseram o sim. Choraram quando se despediram de suas famílias e choraram quando estavam, enfim, sós.
A vida, completando seu círculo, levou pessoas e trouxe lágrimas. Mas também trouxe pessoas, dessas pequenininhas que chegam pra completar um espaço vazio… E Miguel também chorou quando essa pessoinha chegou. E Miguel chorou muito quando seus pais se foram e nesse momento agradeceu por saber que, segundo a ciência e as estatísticas, ele iria embora primeiro que sua amada e não precisaria chorar por ela. O que Miguel não sabia que é que seu nome carrega o estigma do guerreiro e ele não seria poupado disso. Muito tempo depois, Miguel teve que chorar por sua amada. E chorou tantas vezes que achava que não iria suportar a dor. Mas nesse momento, Miguel teve uma revelação: as lágrimas trazem amor.
Toda a raiva e mágoa que sentia por aquela que fez ele derrubar a primeira lágrima tinha se dissipado sem que ao menos ele perceber. E então ele a agradeceu em pensamento, por ser a causadora de todas as lágrimas que ele derramou por uma vida, mas que fizeram dele uma pessoa muito melhor. De tudo o que seu pai havia ensinado, só a lição de que “homem não chora” foi jogada fora, pois Miguel comprovou que só é possível viver essa vida, lavando a sujeira que está na alma com lágrimas.
Beijocas
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Eu como chorona assumida e sem-vergonha sei que chorar lava a alma mesmo. Tira o stress, o peso, alivia a ausência e a dor. É como se, com cada lágrima, caísse junto um pedaço daquilo de ruim que fica dentro de nós. E aí um dia, quando as lágrimas secam, repara-se que a dor também se esvaiu.
Eu falo mesmo: sou chorão. De comédia romântica a comercial de margarina, choro mesmo. Casamento então… pppffffffff. Sem comentários.
Como não chorar?
Pow…chorei…
Lindo, parabéns…
lindo texto…lindo mesmo.
Domingo fui visitar um casal de amigos que acabara de ter seu bebê e a mãe disse algo que eu não sabia: que os recém nascidos não derramam lágrimas quando choram, depois de um certo tempo, pouco menos de 1 mês as lágrimas começam a cair como gotinhas mesmo, e demoram mais ainda para escorrer e molhar de verdade.
Lendo o texto e lembrando disso percebi que é como a criança, só quando a gente cresce é que a gente chora de verdade.
Rubens, acompanho o blog a algum tempo, e peço permissão para ser um pouco crítico: sinceramente seus textos são incríveis, e além de eu considerá-los genuinamente espontâneos, você trata os assuntos com uma sobriedade que apenas os anos dessa vida nos permitem atingir. Seus textos são mais atemporais e menos “viciados” que os textos escritos pelos demais membros. De qualquer forma, o blog em geral é ótimo, e todos escrevem com o coração. Já em relação à maturidade, você é o “cara” do blog. Parabéns! abs
Eu não sabia disso Jean, muito interessante. Um usa o choro como sobrevivência, nós como válvula de escape da emoção (feliz ou triste…).
Anônimo, fico feliz que você tenha localizado o coração na escrita. Tenha certeza que sempre é feito com o coração. Valeu demais,mesmo.
Fábio, Gi, Aninha e Bianca, o choro é a voz dos olhos. Valeu por todos os comentários povo lindo.
Concordo plenamente com o anônimo, os textos do Rubão são de longe, melhores que os demais! Mas… é justamente por isso que exercitamos nossas mentes escrevendo, para um dia escrevermos assim! 😉
Rubão, você é o cara! E sou sua fã desde muito antes de poder lhe chamar de amigo! E sou muito feliz de hoje poder lhe chamar assim!
Parabéns, de verdade por esse dom! Ou seria por essa experiência?
Nós não te invejamos não… nós te amamos! =)
Fly away!
Melhor não, diferente. Penso do avesso.